A mudança de modelo de financiamento imobiliário da Caixa, antecipada pela Folha na quinta-feira (18), pode ajudar a desenvolver um novo mercado de renda fixa no país, segundo especialistas.
Atualmente, os contratos de financiamento habitacional são corrigidos pela TR (Taxa Referencial). Com a mudança, que depende de autorização do Banco Central, a Caixa vai reajustar os contratos pela inflação medida pelo IPCA. Com a indexação ao índice oficial de inflação do país, o banco pode emitir títulos de dívida ligados a esses empréstimos, como o CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários) e o LCI (Letra de Crédito Imobiliário).
Eles teriam remuneração parecida com a do título público Tesouro IPCA+, que paga uma taxa fixa de juro mais a inflação do período. Essa indexação ajudaria a criar um mercado secundário para esse investimento — quando investidores compram e vendem os títulos entre eles, e não mais com o banco.
Enquanto outros países usam suas taxas básicas de juros para financiamentos, no Brasil os contratos de financiamento imobiliário têm juros fixos, normalmente um pouco maiores que a Selic, e há uma correção pela TR, que atualmente é zero.
Quem quiser contratar financiamento imobiliário hoje encontrará crédito entre 8% e 9,5%. A Selic está em 6,5%.
Segundo o novo sistema, o financiamento teria taxa fixa mais baixa, entre 2% a 3%, a depender do risco de inadimplência do consumidor, que seria acrescida da inflação.
Se o IPCA, que deve fechar o ano em 3,82%, permanecer controlado e dentro da meta do BC nos próximos quatro anos, o custo do crédito ao consumidor ficará mais baixo.
Mas, por se tratar de um empréstimo a longo prazo, que pode durar até 30 anos, a mudança pode ser arriscada para o consumidor.
Em 2015, por exemplo, a inflação do país disparou e superou os 10% em 12 meses.
Nesse período, o consumidor teria um aumento expressivo no custo do financiamento, e não necessariamente a sua renda teria crescido na mesma proporção.
“O Brasil é um país que historicamente tem risco de inflação. Essa vantagem inicial pode se transformar em desvantagem no futuro”, afirma José Raymundo de Faria Júnior, da Planejar (Associação de Planejadores Financeiros).
Por outro lado, caso o consumidor esteja no início de carreira, com perspectiva de ganho salarial acima da inflação, juros mais baixos num primeiro momento são vantajosos.
Na série histórica, os movimentos do IPCA são mais expressivos do que a variação da TR ou da taxa Selic. Um aumento brusco da inflação, como uma seca que leva ao aumento do preço dos alimentos, pode levar os consumidores a ficar inadimplentes.
Na hora de escolher o modelo de financiamento, é necessário ponderar se o salário e a renda familiar acompanham a inflação. “Você pode escolher ficar tranquilo e pagar uma taxa de 8,5% ou confiar na economia e pagar menos”, diz Júnior.
A inflação está em um patamar historicamente baixo, reflexo da dificuldade da recuperação da economia brasileira. Mas há também um viés otimista de que as reformas prometidas pelo governo podem mantê-la dentro da meta.
“Hoje esse modelo é bom porque a inflação está baixa. Mas, para o investidor, é ruim ter coisas que flutuam. O financiamento habitacional é sempre problemático e, ao mesmo tempo, sempre necessário”, afirma Marcelo D’Agosto, consultor financeiro.
“Em um cenário cor de rosa, o banco vai captar mais recursos com o financiamento mais barato e emissão de títulos atrelados ao IPCA para compensar a queda no curso do crédito”, diz.
D’Agosto pontua que, em um segundo momento, novos modelos de financiamento podem acompanhar a Selic. A escolha do banco pelo IPCA se deve ao mercado secundário e à preferência de investidores por produtos como CRI e LCI, em detrimento da poupança. “O novo financiamento da Caixa é uma mudança para um regime mais liberal, com objetivo de desenvolver o mercado de títulos.”
O especialista também lembra os riscos de juros mais baixos. O crédito barato levou à bolha imobiliária dos EUA, que estourou na crise financeira de 2008.
Fonte: Folha de S. Paulo
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