O governo federal estuda liberar mais saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para incentivar o consumo e estimular a economia. Confirmada, essa decisão comprometerá o potencial crescimento da construção civil. Depois de registrar retração de quase 30% no período de 2014 a 2018 e crescer 1,6% em 2019, o setor da construção projetava uma alta de 3% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, com a expectativa de gerar mais de 100 mil novos postos de trabalho com carteira assinada no país. O uso de mais recursos do FGTS, principal fonte de financiamento do setor nesse momento de restrição fiscal, torna mais difícil alcançar as projeções de crescimento da construção civil.
Dados oficiais confirmam que o incentivo ao consumo não é capaz, sozinho, de sustentar o crescimento tão necessário para o país e superar momentos difíceis como o agora vivenciado pela economia mundial. Os últimos resultados do PIB brasileiro, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), registram que o consumo das famílias em 2019 foi o menor dos últimos três anos. Em 2017, a alta observada foi de 2,0%, em 2018 a expansão foi de 2,1% e, em 2019, 1,8%.
Além disso, o consumo das famílias não deslanchou no 4º trimestre de 2019, como esperado. Em relação ao trimestre anterior, que registrou crescimento de 0,7%, a alta foi de 0,5%, na série com ajuste sazonal, em nítida desaceleração. Os dados demonstram, ainda, que a Construção Civil registrou queda acentuada neste mesmo período, ou seja, nos últimos três meses do ano a retração do setor foi de 2,5% em relação ao 3º trimestre de 2019, o pior desempenho dentre os setores de atividade destacados pelo IBGE.
Esse cenário comprova que os recursos liberados pelo FGTS em 2019 não impulsionaram o consumo a ponto de acelerar o crescimento da economia, que foi de 1,1% — o pior resultado dos últimos 3 anos. O Brasil encerrou 2019 com uma taxa de investimento de 15,4%, desempenho muito distante dos resultados obtidos nos primeiros anos da década de 2010 (cerca de 20%). Esse resultado é difícil de ser compreendido para uma economia em desenvolvimento como a brasileira, que precisa dar sustentabilidade ao seu PIB. Não é o consumo que constrói as bases sólidas para um desenvolvimento sustentado. Quem faz isso é o investimento: a Construção Civil, na média do período 2010-2019, foi responsável por 50% dos investimentos do País.
O setor, embora responda por 5,24% do total de trabalhadores com carteira assinada no país, em 2019 foi responsável por 11,04% do total das vagas formais geradas. Isso significa que do total de 644 mil novos postos de trabalho formais gerados no ano passado, 71 mil vieram da Construção Civil.
A alta de 15% registrada no financiamento imobiliário em 2019 foi sustentada pelo aumento dos recursos do SBPE, que cresceram 37% em relação ao ano anterior. O financiamento com recursos do FGTS registrou queda de 5%. Assim, enquanto em 2018 as concessões de crédito habitacional com recursos do Fundo totalizaram R$ 60 bilhões, em 2019 caíram para R$ 57 bilhões. Foi o pior resultado do financiamento imobiliário com recursos do FGTS desde 2015.
Ressalte-se a importância do FGTS para a aquisição da casa própria, especialmente para as famílias com renda até 3 salários mínimos, onde se concentra mais de 90% do déficit habitacional do País. No quarto trimestre de 2019 as vendas do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) corresponderam a 45,29% do total das vendas de imóveis residenciais no país, conforme o estudo Indicadores Nacionais do Mercado Imobiliário realizado pela CBIC. Foi a menor participação do programa observada desde o 3º trimestre de 2018, quando o acompanhamento passou a ser realizado de forma segmentada.
Diante desse cenário, o setor da Construção Civil reafirma seu posicionamento contra a liberação de recursos do FGTS para ações fora de finalidade. Essa iniciativa não criará uma nova rota do desenvolvimento para a economia brasileira. Ao contrário, a pulverização desses recursos pode tornar ainda mais grave o ambiente econômico, trazendo de volta a recessão que compromete o setor da Construção Civil.
Ieda Vasconcelos - Economista do Banco de Dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
Fonte: Agência CBIC
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