CONSTRUIR PARA ALUGAR: A APOSTA DO SETOR PARA GIRAR O ESTOQUE E ATENDER UM NOVO CONSUMIDOR

Há tempos o setor da construção civil convive com resultados distantes dos registrados durante o boom imobiliário, nos quais apartamentos lançados eram praticamente sinônimo de apartamentos vendidos. Para girar o estoque e levar os projetos para o canteiro de obras, algumas construtoras estão ampliando seu raio de atuação e fazendo da locação a aposta para enfrentar o novo cenário econômico e atender à mudança de perfil de consumo dos clientes.

Só no último ano, são pelo menos três os exemplos de empresas que criaram braços para atuar da construção à gestão dos condomínios, assumindo também o papel de locatárias e fazendo as vezes dos corretores no fechamento dos contratos de locação. E os números apontam que elas parecem estar no caminho certo.

“Vamos completar um ano de operação do Kasa 99 no início de julho e estamos com 90% de ocupação do prédio, que tem 243 apartamentos”, conta Guilherme Aires Rosse, analista de marketing da incorporadora Gamaro, de São Paulo. O empreendimento é o primeiro categorizado como de co-living do portfólio da empresa, focada em empreendimentos de médio e alto padrão, e foi pensado para um público que é a nova menina dos olhos do mercado imobiliário: os jovens — estudantes, empresários, executivos — que priorizam o viver ao ter, que formam família cada vez mais tarde e que não querem, ou não podem, assumir um financiamento de longuíssimo prazo.

A geração nascida a partir dos anos 1980 mudou a maneira de encarar o mundo e não quer mais trabalhar uma vida inteira para pagar uma casa. Por isso, para eles, a locação passa a ser um bom negócio. Além disso, a crise econômica fez com que a renda das pessoas diminuísse e que aumentassem a burocracia e as condições necessárias para que as pessoas pudessem contratar um financiamento. Então, tivemos que transformar o estoque em ativos para a construtora”, elenca o engenheiro civil Ari Stechman Neto, sócio-diretor da curitibana STM Empreendimentos.

Para isso, a empresa direcionou as cerca de 30 unidades em estoque para locação e apostou em uma nova linha de produto, o Linked, que terá seu primeiro empreendimento, batizado de Linked Paiol, com Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 42 milhões, entregue em julho. Nele, cerca de metade das 140 unidades foram destinadas para aluguel.

“Em média, fechamos um contrato de locação por dia no Linked Paiol. Também vamos lançar o Linked Batel, com 264 unidades [o empreendimento tem pré-lançamento marcado para esta sexta-feira (28)] e já planejamos um terceiro empreendimento da marca para Curitiba, em uma área próxima ao Hospital Erasto Gaertner”, detalha Neto.

Outra empresa que aposta alto no modelo de negócio é a paulistana Vitacon, que lançou em janeiro deste ano a Housi, empresa independente que administra imóveis da incorporadora e também de parceiros para locação. “Temos um empreendimento em operação [neste modelo] desde outubro do ano passado, o Housi Bela Cintra, nos Jardins. Até o final deste ano, serão seis em operação neste modelo em São Paulo. Alguns são próprios e, em outros, contamos com a participação de investidores, o que nos permite escalonar o volume de negócios”, aponta o CEO da Vitacon, Alexandre Lafer Frankel.

Os planos de expansão da empresa são ambiciosos e preveem empreendimentos em toda a grande São Paulo e nas principais cidades do país, como Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba, já a partir do próximo ano. “Temos uma projeção bastante ousada para crescer a plataforma, pois acreditamos muito neste modelo de prédio que as pessoas utilizam sob demanda. O céu é o limite”, aponta Frankel.

Uma nova forma de morar e locar

Para responder a finalidade do negócio, o projeto destes empreendimentos apresenta características que vão além das presentes nos prédios projetados com foco exclusivo na venda dos apartamentos. Assim, além da metragem reduzida das unidades, que partem dos 10 m², adequada às necessidades e/ou possibilidades de morar dos millenials, eles destacam as áreas de convívio e a oferta de serviços aplicada ao dia a dia do condomínio.

No Linked Paiol, por exemplo, os moradores terão à disposição lavanderia coletiva, self machine de comidas e bebidas e wi-fi nas áreas comuns e privativas. Para o empreendimento do Batel da marca, está previsto um rooftop, aberto também ao público externo, com três operações: balada, bar e restaurante gourmet conceitos. Nos projetos da paulistana Vitacon, por sua vez, o destaque fica por conta da oferta de patinetes, bicicletas e carros compartilhados, restaurante, coworking e sala wellness, na qual os moradores podem receber de manicures à coleta de exames laboratoriais. Espaços preparados para a recepção de encomendas da Rappi são outros destaques.

“Quem vai alugar um [imóvel deste perfil] quer muita facilidade, é uma pessoa que preza muito pela praticidade e pelo relacionamento com os demais moradores”, aponta o CEO da Vitacon.

Esta praticidade aparece, também, na hora de fechar o contrato. Isso porque, em geral, as negociações feitas pelas empresas dispensam antigas tradições do mercado imobiliário, como a apresentação de um fiador ou do cheque caução, e são feitas de forma digital, eliminando burocracias e custos aos futuros inquilinos. Os contratos também costumam ser mais flexíveis, proporcionando ao locador maior liberdade no que se refere à definição do período em que pretende morar ou se hospedar na unidade.

“Isso que está acontecendo é a tendência natural dos incorporadores. Nós estamos na vanguarda”, resume Neto. O presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antonio França, é um pouco mais cauteloso e diz que a “mudança do padrão de consumo da posse para o uso não vai ser rápida”, apesar de acreditar em seu crescimento.

Fonte: Abrainc

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