Todos os dias, por volta das 6h, quando chega ao canteiro da obra em que é auxiliar, Marcilio Paulino da Silva, 49, lava as mãos em uma pia instalada antes da catraca. Se mais colegas de trabalho estiverem chegando no mesmo horário, ele terá de esperar - somente duas pessoas podem entrar ao mesmo tempo. Na portaria, recebe um jato de álcool nas mãos e tem a temperatura checada por um tipo de termômetro que não exige contato físico. Se a ferramenta acusar mais do que 37-C, a recomendação da empresa é encaminhar o funcionário para o serviço médico. Se tudo estiver normal, ele segue para o vestiário, onde trocara a máscara do transporte por outra máscara que usará no período da manhã. Essa troca ainda acontecerá pelo menos outras duas vezes no dia. São quatro máscaras por jornada de trabalho.
A rotina de segurança na obra, que já incluía o capacete obrigatório, roupas e sapatos especiais, foi incrementada desde o agravamento da crise do coronavírus no Brasil.
Marcilio, operário há seis anos, diz que o importante é tomar todos os cuidados e esperar, pois a crise vai passar. A pandemia que abalou o mundo inspirou até um poema.
Os horários de entrada e saída e as pausas para o almoço também mudaram e passaram a ser escalonadas. As subidas nos elevadores, que levavam até dez pessoas de uma vez, passaram a transportar somente quatro, de modo a manter o distanciamento entre os operários. A rotina mais cuidadosa é seguida na obra da Conx no Jardim Prudência, já em fase de acabamento, e se repete por outras tantas onde o trabalho continua.
Mesmo com o decreto de quarentena vigente em São Paulo - e em diversos outros estados e capitais-, a construção civil não para - 88% das obras seguem em andamento em todo o país.
Em São Paulo, a construção civil está entre os setores autorizados pelo governador João Doria a seguir em atividade, excluída do confinamento social em vigor desde 24 de março. A maioria dos outros estados também inclui o segmento na lista dos essenciais.
O setor, que é responsável por a milhões de empregos diretos com carteira assinada no país, esperava um ano de resultados moderados, mas positivos, depois de cinco anos difíceis e um 2019 surpreendente. Os dois primeiros meses do ano foram promissores.
O balanço do Secovi-SP (sindicato da habitação em São Paulo) mostra um aumento de 56% nas vendas e de 102% nos lançamentos em janeiro e fevereiro na capital.
No país, levantamento da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) realizado com as 20 maiores incorporadoras aponta alta de 34% nos lançamentos e de 25,86% nas vendas nos dois primeiros meses do ano. Os dados de março e abril ainda não estão consolidados, mas os empresários do setor estimam que devem ir na direção contrária.
Basílio Jafet, presidente do Secovi, diz que a partir da segunda quinzena de março as vendas estão 60% abaixo do projetado para o período. "O brasileiro dá uma importância muito grande para essa compra. Fica mais complicado negociar quando há dificuldade de contato entre as pessoas. Você não consegue visitar o apartamento decorado, só consegue falar com o corretor por vídeo ou outros meios virtuais. Tem uma série de pontos que levam muita gente a aguardar o final do confinamento para prosseguir com a transação", afirma.
A importância da decisão de comprar um imóvel faz com que o futuro mutuário, em geral, não tenha pressa. "Um mês a mais, um a menos, é um tempo que dá para esperar!'
O presidente da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), José Carlos Martins, calcula que a queda nas vendas, em março, tenha sido de 60% e que o mês de abril termine com uma redução de 70%. "Não parar [as obras] é um termo relativo. Um projeto de mercado imobiliário tem uma maturação longa. Os serviços estão contratados, não há por que parar agora", afirma.
0 adiamento nos lançamentos desestabiliza toda a cadeia imobiliária. O momento em que a crise se agravou também coincidiu com o período em que o mercado começaria a aumentaras apostas, passada o ínterim entre as festas de fim de ano e 0 Carnaval
Sem poder abrir estandes de vendas, as incorporadoras decidiram segurar a apresentação de novos projetos.
Fonte: Folha de S. Paulo
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