A SAÍDA ESTÁ NO CANTEIRO DE OBRAS

Pacotes econômicos, liberação do FGTS, reformas estruturantes. Todas essas medidas, aventadas pelo governo como solução para fugir da estagnação econômica que o Brasil atravessa, não serão suficientes para reverter o indicador mais decisivo neste momento desafiador: o alto desemprego. Ainda que essas ações ajudem nas contas públicas, é com a União gastando mais – e melhor – que está o caminho para elevar os postos de trabalho de modo abrangente, trazendo ao brasileiro a renda perdida nos últimos anos e garantindo que esses recursos retornem para a economia real.

Sobre o tema, os especialistas e empresários ouvidos pela DINHEIRO foram unânimes: é preciso fortalecer a renda do brasileiro para destravar a economia. Entre os principais motores para essa retomada do emprego e renda, os canteiros de obras paradas por todo o Brasil formam a equação necessária para fazer a economia pegar no tranco. “Há um enorme contingente de trabalhadores com baixa escolaridade, mas que haviam estabelecido carreiras dentro da construção civil. São pedreiros, auxiliares, recapeadores e profissionais de manutenção e serviço pesado que estavam no mercado de trabalho havia cinco anos e hoje não conseguem se recolocar”, diz Hamilton Freitas, engenheiro, professor licenciado da Unicamp e especialista em infraestrutura.

Hoje o Brasil tem mais de 4,5 mil obras públicas paradas. Os destaques negativos ficam por conta dos canteiros ligados a unidades de saúde (1,7 mil), educação (969) e saneamento (646). Segundo estimativa da Câmara Brasileira da Indústria

da Construção (CBIC), esses projetos abandonados representam R$ 135 bilhões. O vice-presidente da área de Infraestrutura da CBIC, Carlos Eduardo Lima Jorge, é um dos que defendem a retomada das obras como vetor de crescimento econômico. “Atualmente, temos 12 milhões de desempregados e municípios e estados sem capacidade de investimento”, afirma Lima Jorge.

E aqui a resposta para o problema entra numa encruzilhada. Enquanto o setor privado acredita que uma participação mais contundente do governo federal seja decisiva, o poder público, por sua vez, parece relutante. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, diz que o amplo plano de concessões públicas previstas para os próximos três anos do governo Bolsonaro servirão para gerar emprego e renda. “Ainda que não haja capacidade direta de investimento público nesse momento, passar para a iniciativa privada parte destes projetos ajudará na criação de postos de trabalho”, disse o ministro, durante o prêmio Empreendedores do Ano, da DINHEIRO. Pelos cálculos do chefe da pasta, seriam mais de R$ 6 bilhões em investimentos privados em áreas estratégicas. “Isso também será importante para que as cidades contempladas se tornem cada vez mais competitivas economicamente”, afirmou, fazendo menção aos importantes projetos de ferrovias, rodovias e hidrovias.

Falta dinheiro

Para a doutora em economia e especialista em políticas públicas Cecília Gonzáles, a decisão do governo brasileiro de frear aportes em infraestrutura contraria cenários globais. “Sabe-se hoje que a retomada do crescimento passa, invariavelmente, por maior investimento público, não menor”, afirma. Ela diz que países como Alemanha, Grécia e Itália conseguiram contornar ciclos longos de recessão ao destravar investimentos em obras. “Essas medidas, principalmente as que fortalecem a transferência de renda por meio de empregos, são vitais para reativar a economia”, afirma.

Freitas, da Unicamp, concorda. “Quando há baixa propensão de investimento do meio privado, cabe ao poder público injetar os recursos para começar a girar a roda econômica.” Mas isso só funciona se o dinheiro investido tiver retorno imediato na renda, diz ele. Por isso, segundo ele, reativar os canteiros de obras é essencial para sentir o retorno do capital na economia. “Investir não é liberar dinheiro para bancos ou perdoar grandes dívidas. É destinar recursos para que ele chegue, diretamente, no trabalhador mais pobre e desprovido de renda”, afirma. Freitas entende ainda que as eleições municipais de 2020 podem ajudar. “Com uma fração da cessão onerosa do pré-sal chegando para os municípios, e parte dos prefeitos em busca de reeleição, é possível que algumas obras sejam retomadas no início de 2020.”

Olhar do empresário

 Se por um lado os argumentos de que não há capacidade de investimento por conta do teto de gastos e da lei de responsabilidade fiscal são coerentes com a situacão fiscal do País, empresários da construção sinalizam que nem tudo é falta de dinheiro. Diretor de novos negócios da construtora MDP Engenharia, Carlos Longrini diz que “cerca de 55% das obras paradas estão abandonadas por problemas de engenharia ou na licitação”. Isso significa que nem sempre o problem está na ausência de recursos financeiros. “Há uma enorme falta de coerência na execução, tanto dos poderes municipais e estaduais quanto das empresas contratadas”, diz Longrini.

A empresa, que até 2016 atuava exclusivamente com concessões públicas em obras de menor porte – como Unidades Básicas de Saúde (UBS), escolas e pequenas reformas –, precisou mudar o escopo de atuação e cortou quase 40% da mão de obra. “Sempre entramos em concorrências públicas em obras de menor porte. Entre 2014 e 2018 tomamos calote de mais de R$ 55 milhões e isso quase quebrou a operação.” Com forte atuação na região metropolitana de Belo Horizonte (MG), a empresa precisou buscar alternativas na iniciativa privada para se recuperar. “Passamos, desde 2017, a oferecer nossa mão de obra para retrofit de escolas e hospitais particulares, mas essa demanda não acompanha o que tínhamos de potencial no setor público”, diz.

(Quase) na contramão

Enquanto as obras de infraestrutra seguem em um limbo de recursos e atividades, o mercado imobiliário tem dado leves sinais de reação, o que ajuda, em parte, a restaurar os mais de 3 milhões de empregos nos canteiros de obras perdidos nos últimos cinco anos. Com passos de formiguinha, a retomada da atividade passa pelas moradias. Segundo dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), no terceiro trimestre de 2019, sobre um ano antes, houve alta de 23,9% nos lançamentos de imóveis novos e as vendas subiram 15,4%.

Apesar desse cenário positivo, um alerta: 56,9% dos lançamentos estão dentro do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que também responde por 50,7% das vendas. Ainda que a participação do programa habitacional do governo federal tenha perdido espaço (chegou a 70% das vendas em 2016) há grande dependência de financiamento público. O governo sinalizou no inicio deste ano que iria rever os repasses e admitiu que parte dos recursos estava atrasada. O problema é que a ausência de decisão e a indicação de que haverá mudanças bruscas no programa fazem o mercado aguardar o tamanho do corte para traçar uma estratégia.

Fonte: IstoÉ Dinheiro

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