Por André Rocha, para o Palavra do Estrategista
A indústria imobiliária apresenta diversas particularidades. A começar pelas regras contábeis. Atributos importantes para a maioria das indústrias como economias de escala e diversificação geográfica simplesmente não funcionam na indústria de construção. Assim, analisar as empresas do setor com a mesma ótica utilizada para outros segmentos pode redundar em conclusões equivocadas. O que deve ser observado ao analisar o setor? Quais conclusões podemos tirar? A teoria de finanças consegue explicar o segmento ou estamos diante de um paradoxo?
Se for perguntado a 100 presidentes de empresas se gostariam de aumentar a quantidade vendida para diluir seus custos fixos, a grande maioria responderá sim. Esse também foi o discurso das construtoras após abrirem o capital. Mas, os ganhos de escala se revelaram uma falácia. Cada construtora possui um número ótimo de canteiros de obra que maximiza sua margem. Superado esse limite, a produtividade e as margens caem. O discurso atual reconhece essa restrição ao crescimento.
Outro problema foi a diversificação dos projetos pelo país. A tese de a expansão geográfica ser benéfica por promover a diversificação de risco não se mostrou verdadeira. A distância entre a decisão central e o canteiro de obras foi fatal. Além disso, há particularidades locais em relação a registros, relacionamento com as Prefeituras e gosto dos consumidores, por exemplo. Construtoras locais acabam sendo tão ou mais competitivas que as forasteiras.
O negócio possui enorme dependência a variáveis macroeconômicas como juros e renda. O sucesso de um empreendimento é positivamente relacionado à renda e inversamente aos juros, pois taxas elevadas encarecem a obra e retiram renda disponível dos compradores. Sendo assim, as empresas, e como consequência as ações, são pró-cíclicas. Apresentam bom desempenho em momentos de prosperidade, mas sofrem em recessões como a atual. Essa característica eleva a volatilidade das ações o que deveria afugentar investidores mais sensíveis a oscilações.
As demonstrações contábeis de qualquer empresa refletem o passado. Ao olharmos as demonstrações de resultado relativas ao segundo trimestre de 2017 da Vale, podemos saber a receita, os custos e as despesas da mineradora no período. Já na construção civil, a contabilização é diferente. Vamos considerar uma construtora que possuísse apenas um projeto: uma torre de apartamentos. Essa construção demorará três anos para ser levantada. Pela regra tradicional, a receita só poderia ser reconhecida quando os apartamentos fossem entregues aos clientes. Assim, a empresa não teria receita e custos por três anos. Mas não é isso o que ocorre. Conforme a obra avança, as vendas realizadas se convertem em receitas no mesmo ritmo das obras. Como a obra ainda está em curso, a margem bruta gerada (a diferença entre receita e custos) ainda é uma estimativa da administração para aquele projeto. A margem efetiva do projeto só será conhecida no término da obra quando se saberão todas as receitas e custos do empreendimento.
Além disso, várias informações utilizadas pelos investidores e analistas não são auditadas como o valor de venda dos estoques e a margem das obras em andamento (margem REF). Em reunião recente, um diretor de uma companhia disse que os estoques prontos a valor de mercado servia de base para o inicio de uma negociação com o cliente, mas descontos poderiam ser concedidos em determinadas situações. Sendo assim, o valor esperado da venda tende a ser inferior ao reportado. Utilizar o valor do estoque divulgado é superavaliá-lo.
Essa discricionariedade da administração pode gerar sério conflito de agência, quando os interesses dos acionistas não estariam alinhados ao dos gerentes. Imagine que a administração receba incentivos anuais. Ela pode ser otimista, orçando uma margem elevada no início do projeto. O desempenho operacional de curto prazo será satisfatório o que gerará bônus aos gestores. Mas, no fim das obras, a margem pode ser bem inferior à estimada. Os distratos também podem causar distorções. Com o cancelamento da venda, a receita e os custos associados devem ser estornados maculando a margem. Dessa forma, os bônus passados foram injustamente pagos.
O analista deve ter um olhar diferente para o setor: (i) reduzir o peso dado as demonstrações contábeis, (ii) priorizar a análise “top-down” em decorrência do peso das variáveis macroeconômicas sobre os resultados, (iii) não qualificar as empresas do setor como de crescimento em decorrência das deseconomias de escala e (iv) olhar com lupa a geração de caixa.
E a tese de investimento? Se o setor apresenta restrição ao crescimento, o valor para o acionista deve vir da distribuição do caixa. Em outras palavras, o que torna essas ações atrativas deveria ser o pagamento dos dividendos, característica das ações defensivas. Contudo, caímos em um paradoxo, pois as ações do setor não são defensivas, pois dependem fortemente dos ciclos econômicos. Conclusão: o setor consegue desestabilizar até a teoria de finanças. O cineasta Tim Burton faria um bom filme com esse estranho e peculiar personagem.
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