O governo federal está reformulando o programa habitacional "Minha casa, minha vida". Um dos focos estará nos municípios com até 50 mil habitantes e, de acordo com o novo desenho, o beneficiário poderá receber um voucher (documento fornecido para comprovar um pagamento ou comprovante que dá direito a um produto) para definir como a obra será tocada, o que inclui a escolha do engenheiro e a própria arquitetura do imóvel. Haverá três tipos de vouchers: para comprar, para construir ou para reformar. Mas especialistas do mercado e construtoras dizem que o modelo pode não ser eficaz.
No formato existe, o beneficiário já recebe a casa pronta da construtora. Com o novo programa, que ainda não teve o nome escolhido, o voucher permitirá receber a unidade habitacional ou participar da construção, escolher onde a casa será feita e até mesmo o projeto da casa.
O valor do voucher dependerá dos preços correntes no mercado imobiliário no local onde o imóvel será construído. O programa trabalha com valor médio de R$ 60 mil por beneficiário, em três tipos de voucher: o de aquisição, para comprar o imóvel já pronto; o de construção, para começar a casa do zero; e o de reforma, para melhorar ou ampliar a casa já existente.
A princípio, o governo pretende oferecer vouchers a famílias com renda mensal de até R$ 1.200. Já as famílias com renda entre R$ 1.200 e R$ 5 mil mensais entrarão no programa de financiamento do programa.
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, avalia que o novo modelo proposto já foi testado e não se mostrou eficaz.
— O Sub-50 (modalidade de financiamento de habitação do "Minha casa, minha vida", usada em municípios com até 50 mil habitantes) está aí para mostrar que essa fórmula não funciona. O custo para monitorar a aplicação dos recursos direcionados aos beneficiários é muito mais alto que o do modelo atual. Sem falar na dificuldade de monitorar os profissionais contratados por cada usuário do voucher e a qualidade dessas construções e reformas.
Embora demonstre otimismo com a reformulação do programa, Mariliza Fontes Pereira, sócia da incorporadora Riooito, vê com preocupação a possibilidade de construção de unidades sem a participação de técnicos: — Imagina a quantidade de pessoas construindo com o dinheiro do governo, dependendo de como for vai aumentar a favelização — pontua.
Déficit habitacional
Outro executivo do setor, que preferiu não se identificar, critica o represamento de recursos para o programa ao longo do ano e diz que o governo vem fazendo esses anúncios para desviar a atenção do fato de não haver uma política pública de habitação desenhada para o segmento popular, onde está concentrado o maior déficit habitacional e, por consequência, a mais alta demanda por novas residências.
Sérgio Cano, professor do MBA de Gestão de Negócios Imobiliários e da Construção Civil da Fundação Getulio Vargas (FGV), observa que os projetos do "Minha casa, minha vida" foram responsáveis pela manutenção de boa parte dos negócios do setor. Ele alerta que o governo hoje não tem capilaridade suficiente para fiscalizar a execução de obras promovidas com a liberação de recursos públicos e subsídios diretamente para os beneficiários.
— O governo permitir que o próprio interessado possa fazer sua própria construção pode dar margens para construção feita sem devido padrão, o que se espera de construção habitacional. Como seria isso? Vai ser exigido um licenciamento? E a fiscalização? Estas questões precisam ser esclarecidas — alerta Cano.
Além disso, segundo previsões de orçamento do governo, o programa sofrerá um corte de recursos passando de R$ 4,6 bilhões, em 2019, para R$ 2,7 bilhões, em 2020. O professor da FGV lembra que o setor da construção civil depende da previsibilidade de regras de contratação e de funding. Sérgio Cano afirma que mudanças e represamento dos recursos trazem insegurança para as construtoras e incorporadoras:
— Em alguns momentos, o governo demorou mais a fazer repasses, uma interrupção ou de uma redução significativa do volume de recursos do programa preocupa o setor. Isso também pode gerar problemas do setor em se ajustar. Grandes empresas que atuam no ramo estão mudando um pouco seu foco de atuação e buscando segmentos acima do "Minha casa, minha vida". Como estão terminando os recursos, as empresas buscam outro mercado para atuar — explica.
Mariliza Fontes Pereira, sócia da incorporadora Riooito, acredita que uma das ideias estudadas pelo governo e debatida no setor é implementar um modelo segundo o qual o beneficiário pagaria uma espécie de aluguel do imóvel e teria prioridade para a compra durante 5 anos. O dinheiro do pagamento da locação serviria de entrada ou parte do valor de compra do imóvel. Ela defende a implementação das mudanças:
— O governo já ajudou a movimentar o setor quando anunciou a queda na taxa de juros. O programa foi muito importante nestes dez anos, mas é necessária uma mudança. Precisa ter uma nova cara. Sou fã do "Minha casa, minha vida". Só que o programa chegou no tempo de vida dele e ficou até meio estigmatizado pelos erros que ocorreram no caminho, seja por parte do governo ou das próprias construtoras — ressalta Mariliza.
Segundo o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, os juros também devem ser reduzidos dos atuais 5%, para 4,5% ou 4%. A expectativa do governo é que o novo programa resulte na construção de 400 mil unidades já em 2020. De acordo com a pasta, em 2019, foram entregues 245 mil residências pelo modelo atual e 233 mil estão em construção.
Fonte: Extra O Globo
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