‘CRÉDITO IMOBILIÁRIO INDEXADO PELA TR É PSEUDOGARANTIA’, DIZ PRESIDENTE DA CAIXA

Pedro Guimarães entra na sala pouco depois das 15h30, acompanhado dos vice-presidentes Gabriel Dutra (financeiro) e Alexandre Ywata (riscos). A agenda está apertada. Dali a poucas horas, o presidente da Caixa embarcaria para a Índia, onde se juntaria à comitiva do presidente Jair Bolsonaro. O objetivo era aprender sobre microcrédito. “Ainda nem fiz a mala”, afirma. Guimarães conquistou a confiança de Bolsonaro em pouco mais de um ano de convívio. Com os cortes nos juros que vem promovendo na Caixa, se tornou uma espécie de garoto-propaganda do governo e frequentemente aparece nas “lives” do presidente, que o chamou de “exterminador de bancos”. Apesar disso, o executivo rechaça especulações de que teria pretensões políticas e nega ter sido convidado para se filiar ao Aliança, o partido que Bolsonaro está criando. “Sou técnico”, diz.

Especialista em bancos, ele passou o primeiro ano de sua gestão decifrando os meandros da instituição e suas (muitas) ineficiências. Foi nelas que encontrou espaço para cortar juros e, ainda assim, ser o “banco da matemática”.

Fazendo a securitização de fato, você pode originar mais do que mantém em carteira, como se fosse uma corretora”

Agora, Guimarães tem uma nova missão: lançar o crédito imobiliário com taxas prefixadas, inexistente no país. A linha ainda está sendo construída, mas será um pouco mais cara, para o tomador, que um financiamento corrigido pela TR, de forma que o banco possa cobrir o risco. Para o executivo, trata-se de um passo urgente, já que a poupança está sob pressão, e os contratos atuais não são imunes à inflação. “Há uma falsa sensação de segurança”, afirma.

Valor: No primeiro ano de sua gestão, a Caixa revisou processos, cortou juros e lançou crédito imobiliário corrigido pelo IPCA. E agora?

Pedro Guimarães: A gente já está praticamente fechado com o financiamento imobiliário prefixado em março. A Caixa já tem uma exposição de quase meio trilhão de reais em crédito imobiliário, e não vejo o mercado falando sobre isso. Já existe um problema hoje, porque nenhum banco tem hedge da carteira de crédito imobiliário.

Valor: Por quê?

Guimarães: A carteira de crédito imobiliário tem como remuneração a TR e o funding em poupança tem liquidez diária. Primeiro, tem um descasamento de prazo, com uma carteira com dez, 12 anos de duration [vencimento], e um funding diário. Ultimamente, houve uma redução dos depósitos de poupança. A Caixa é o único banco que tem captação positiva.

Gabriel Dutra: Mercado menos Caixa, em 2019, teve uma saída de R$ 3,7 bilhões [da poupança].

 Guimarães: O segundo ponto é mais grave. As pessoas falam que tem hedge porque tenho funding em TR e ativo em TR. Poupança é TR e normalmente se empresta a TR mais 6,5%, 7%. Já não é assim. Hoje, a captação da poupança está a 70% do CDI [porque a Selic está abaixo de 8,5% ao ano]. É uma demonstração de que o funding está em CDI.

Valor: Quais as implicações?

Guimarães: Não foi o BC que me disse, mas acho natural discutir se a poupança deve se manter como contrapartida da TR. Por que não um percentual de CDI, da inflação? Se altera o indexador da taxa de juros, muda a dinâmica inteira. A TR acaba sendo escolhida para amortecer variações da inflação. Mas esse é um poder discricionário do Conselho Monetário Nacional. Acho complexo ter quase R$ 500 bilhões de ativos no indexador e depender do CMN para dizer qual é sua taxa. Temos [crédito imobiliário] tanto de poupança quanto de FGTS. Temos risco duplo. Qualquer alteração tem impacto imediato na rentabilidade. A prova empírica disso é que não vejo um mercado de securitização de crédito imobiliário.

Valor: E as LCI?

Guimarães: LCI [letra de crédito imobiliário] não é securitização de fato, porque tem vencimento em dois anos, em média, e é em CDI. Quando você vende LCI a 80%, 90% do CDI, o banco é que está tomando esse risco. Risco de descasamento entre TR e CDI e, depois de dois anos, o ativo volta para o balanço. Quando pensamos na Caixa como banco habitacional, pensamos em oferecer novas linhas. Temos o tradicional, indexado pela TR. Ofertamos agora o IPCA, e hoje já são mais de 16 bancos fazendo. Esse hedge é mais fácil porque existem títulos de longo prazo corrigidos pela inflação. Só não tem com TR.

Valor: Quanto a Caixa originou até agora nas linhas com IPCA?

Guimarães: Temos R$ 5 bilhões em contratos assinados e R$ 11 bilhões aprovados. É 1% da carteira de imobiliário. Planejamos fazer um CRI [certificado de recebíveis imobiliários] e tirar da carteira.

Valor: Quando?

Guimarães: Como a gente começou em agosto, precisa de um histórico. O objetivo é começar a fazer logo depois que lançar o prefixado. Estamos com taxa de IPCA mais alguma coisa, e essa taxa é maior que a dos títulos públicos. Ao chegarmos e ajudarmos no mercado de securitização, geramos mais eficiência no mercado todo.

Valor: Quanto o IPCA representa hoje da originação?

Guimarães: Uns 30% [do crédito com funding da poupança].

Confira a entrevista completa.

Fonte: Abecip

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